Política
Números desmoralizados
28.1.15
Por Rubéns Nóbrega, no Jornal da Paraíba
Acompanhei ontem pela
manhã, na CBN João Pessoa, esclarecedora entrevista sobre o reajuste salarial
anunciado anteontem pelo governador Ricardo Coutinho para os funcionários do
Estado. Nos estúdios da emissora, Wanda Celi, do Sindicato dos Trabalhadores em
Saúde do Estado (SindSaúde), Francisco Fernandes, da Associação dos Professores
de Licenciatura Plena (APLP), e Victor Hugo, do Sindicato dos Auditores Fiscais
(SindFisco) e do Fórum dos Servidores Estaduais.
Eles trouxeram à
audiência da emissora informações que confrontam a propaganda governista, que
tenta vender o ‘aumento’ (1% para a maioria dos servidores) como gesto
magnânimo do governante e feito incomparável de governo. Tanto que para dourar
essa pílula e encher a própria bola, Ricardo anunciou que deu “o possível e até
o impossível”, apesar da crise econômica nacional que não poupa a Paraíba e das
dificuldades de caixa que o seu governo estaria enfrentando por suposta queda
de receita, principalmente do Fundo de Participação dos Estados (FPE).
Sobre esse ponto,
vejam só o que disse aos ouvintes da CBN o presidente do SindFisco: “De 2007 a
2010 (Cássio II e Maranhão III), a arrecadação de ICMS somou R$ 8 bilhões; de
2011 a 2014 (Ricardus I), a arrecadação de ICMS foi de R$ 14 bilhões. Já o FPE,
no mesmo período, aumentou de R$ 7 bilhões (Cássio II + Maranhão III) para R$
10 bilhões (Ricardus I)”. Por essa e outras, Victor Hugo diz que Ricardo
Coutinho não senta com os auditores fiscais para discutir questões assim porque
os números apresentados pelo governador seriam “desmoralizados”.
Riscos como esse não
diminuem, contudo, um milímetro da disposição do governador de continuar
produzindo e despejando números extremamente favoráveis à sua pessoa e ao seu
governo em todas as suas aparições e alocuções públicas. Ainda que “sua
realidade não corresponda aos fatos”, como diria o poeta Cazuza. Ainda assim,
ele não se avexa nem se peja um segundo em dizer que reajustou em 20% o piso do
magistério estadual, quando o nacional ficou em 13,1%.
Sobre tal afirmação, o
Professor Francisco Fernandes, presidente da APLP, lembra que dos mais de 17
mil professores do Estado apenas 564 (que só têm o pedagógico, o curso normal,
de nível médio, com 20 anos de sala de aula) serão contemplados com os 20%.
Quem ganha acima do piso, porque estudou e se empenhou para ter graduação
superior e pós-graduação (fazendo cursos de especialização, mestrado ou
doutorado) não verá sequer a cor daquele percentual. Vai ter que se contentar
com os anunciados 9% em duas parcelas de 4,5% (uma agora, outra em outubro).
Com isso, o atual
governo “rasga” de vez o plano de carreira do magistério estadual e nivela
todos por baixo, pois não leva em conta a qualificação dos professores, muito
menos o esforço de cada um para progredir na função. Pra vocês terem uma ideia
do que isso representa, um professor com doutorado em final de carreira no
Estado recebe R$ 2.200 por mês, apenas, e só vai ter 90 reais de aumento agora
em janeiro.
Medo de fazer
greve
A representante do
pessoal da Saúde chamou a atenção para a falta de diálogo e negociação entre
governo e servidores. Lamentou que em oportunidades anteriores o SindSaúde
tenha sido pelo menos chamado para tomar conhecimento dos índices de reajuste.
Dessa vez, nem isso. Wanda Celi diz precisar de maiores detalhes para se
posicionar sobre o reajuste. Vai reunir a base para debater o assunto, mas já
adianta que vê poucas chances para uma reação coletiva, em bloco, do segmento
que representa. “Os servidores têm medo de paralisação, por conta de corte de
ponto. Apesar dos salários aviltantes, difícil pensar em greve ou paralisação”,
admite.
Quem
procura...
Outra declaração do
governador comentada pelos sindicalistas diz respeito à ‘pesquisa’ que ele
teria feito (suponho que na Internet) para saber se algum colega de outro
estado estaria reajustando salário de servidor neste momento. ‘Nenhum resultado
encontrado’. Pelo visto, não pesquisou direito ou talvez não saiba que em
muitos outros estados os reajustes não são definidos em janeiro. Talvez não
tenha reparado que o ano tem outros meses e outros governadores utilizam esses
outros meses para dar reajuste.
No Ceará, por exemplo,
um índice de 6,45% (que repõe a inflação passada, ao contrário do que ocorre na
Paraíba) foi aprovado no dia 19 de dezembro passado e entrou em vigor desde o
dia 1º deste mês para todos os poderes. Em Minas, o reajuste foi de 4,62%, mas
retroativo a outubro e sem incluir polícias civil e militar, agente
penitenciário e socioeducativo e defensores públicos. Esses têm legislação
específica para repor o poder de compra de seus salários.
Na Bahia, o reajuste é
dado em abril. Linear, geralmente empata ou supera a inflação acumulada nos
doze meses anteriores. No Paraná, os funcionários têm seus proventos
reajustados em maio, também com índices parelhos ou superiores à inflação.
Detalhe: lá, tanto faz se o servidor é da ativa ou aposentado. Lá, não há
quebra de paridade entre ativos e inativos e pensionistas por conta de
penduricalhos e artifícios tipo ‘bolsa desempenho’.
Já em São Paulo, onde
existe salário mínimo regional (R$ 905), mas apenas para alguns servidores de
apoio (serventes, mensageiros etc.), a Assembleia aprovou mês passado reajustes
que variam de 9,8 a 11,75% e um abono que é uma espécie de gatilho: é pago em
caso de o rendimento mensal do servidor ficar abaixo de R$ 996, “para quem faz
jornada completa de trabalho, e R$ 464, para quem faz jornada parcial”.
Dá para colher
informações sobre reajustes em todos os demais estados. Citei alguns porque
foram os encontrados numa primeira busca no Google. Bem, sei das minhas
limitações no manejo dessas tecnologias modernosas, mas, se o governador
quiser, na próxima pesquisa pode me chamar que dou uma ajuda. Até para livrá-lo
do risco de ter sua palavra contraditada por gente cricri que não compreende,
não enxerga nem reconhece o quanto ele é bom e generoso para os servidores
estaduais.
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#Política #Opinião
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