Por Geraldo Samor, da coluna Veja Mercados
O relato abaixo vai
lhe parecer coisa de ficção. Mas não é.
A
Câmara dos Deputados está tentando aprovar projetos de lei que
vão intimidar eleitores que criticam os políticos na internet (quem
nunca?), violando liberdades individuais, garantias constitucionais e o bom
senso.
É
uma inversão de valores que sabota a própria ideia de democracia, reforça a
tentativa do Estado de dominar a sociedade, e cria um ‘Big Brother’ a serviço
dos políticos e contra os cidadãos.
Cinco
projetos de lei — tramitando na Câmara na velocidade da luz — aumentarão penas
e, em alguns casos, podem transformar em crime hediondo ‘ofensas’ contra
políticos na internet. A votação de um deles, na Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ), será amanhã.
A
autora do principal deles, o projeto de lei 1.589, de 2015, é a
deputada Soraya Alencar dos Santos, do PMDB do Rio de Janeiro (um selo de
qualidade, para quem conhece a política do Estado).
O
projeto de Soraya reforma o Marco Civil da Internet para permitir que qualquer
‘autoridade competente’ — qualquer órgão público — possa requerer acesso aos
dados de qualquer internauta, sem a necessidade de uma ordem judicial, como
ocorre hoje.
Como
se isto já não fosse arbitrariedade suficiente, o projeto prevê que a
‘autoridade’ poderá ter acesso também a todas as comunicações do
usuário de internet, como as mensagens diretas trocadas no Facebook, Twitter e
Whatsapp.
Eleita
por Macaé, cidade petroleira do litoral do Rio de Janeiro, a deputada Soraya é
desconhecida do Brasil, mas neste dia estava psicografando grandes nomes da
História, como Josef Stálin, aquele grande democrata soviético, e J. Edgar
Hoover, o poderoso chefe do FBI que invadia a intimidade de seus adversários.
Mas
a deputada Soraya quer mais. Ela dobra a meta. Pela lei atual, ‘ofensas’ contra
políticos — frequentemente verdades ditas sobre eles — só são investigadas e
vão parar na Justiça se o ofendido for à delegacia prestar queixa. O projeto de
Soraya acaba com esse incômodo — afinal, políticos como ela são pessoas
ocupadas, que não podem perder tempo indo à delegacia.
Pelo
projeto de lei, tanto a polícia quanto o Ministério Público poderão
investigar qualquer ofensa na internet sem a necessidade de queixa prévia —
ou seja, ficarão a serviço dos políticos, que assim poderão intimidar seus críticos
na rede.
Para
Ronaldo Lemos, professor de direito com doutorado pela USP e diretor do
Instituto de Tecnologia e Sociedade, “trata-se da maior ameaça à
liberdade de expressão que o País já sofreu em muitas décadas.”
O
Marco Civil da Internet é uma legislação avançada, que protege a liberdade de
expressão dos usuários da rede, e está em linha com as melhores leis sobre o
assunto em vigor no mundo. Em matéria de internet, é ele que faz o Brasil ser
diferente da Rússia, Turquia e Arábia Saudita, países onde o Poder Executivo
tem — por lei — o direito de intervir em conteúdos na internet. No Brasil, o
Marco Civil estabeleceu que apenas o Poder Judiciário pode autorizar alguém a
tocar em conteúdos na internet – exatamente o que os projetos querem mudar.
Com
qualquer busca no Google, você descobrirá que o maior opositor do Marco Civil
ao longo de sua tramitação foi o deputado Eduardo Cunha, que chegou à
presidência da Câmara em grande parte graças à sua ascendência sobre o PMDB
fluminense. Os projetos atuais, que deformam o Marco Civil, parecem um acerto
de contas.
Dos
cinco projetos de lei em tramitação que tratam da proteção da honra dos
políticos, quatro são do PMDB. Três destes projetos aumentam penas para as
‘ofensas’ na internet, e dois tratam do chamado ‘direito ao esquecimento.’ Esta é outra inovação interessante, que atende bem aos
políticos, e presta um desserviço à democracia. Se o ‘direito ao esquecimento’
for aprovado, permitirá ao político incomodado com análises criticas sobre sua
ética ou performance exigir que estes comentários sejam retirados do ar.
Simples assim. (É uma versão contemporânea do que os soviéticos
faziam, removendo das fotos os membros do regime que caíam em desgraça.)
Ainda
que muitos desses projetos sejam o produto de deputados inexpressivos e de
mentalidade provinciana — se não de má fé — e ainda que muitos possam ser
enterrados pelo Senado (onde repousa a reserva de sanidade da classe política),
eles revelam uma agenda oculta de setores específicos que tentam subordinar o
cidadão a seus interesses mais particulares. O que estes políticos têm a
esconder? Por que temem tanto a voz dos eleitores nos sites e nas redes
sociais?
Nos
últimos anos, o brasileiro perdeu a estabilidade econômica e precisou ter
estômago forte para digerir as revelações da Lava Jato.
Mas
o brasileiro não precisa perder mais essa.
Os
eleitores do Rio de Janeiro podem ligar para a deputada Soraya — telefone do
gabinete: (61) 3215-5352 — pedindo que ela explique para quem trabalha:
para os eleitores ou para seus colegas de Câmara.
Qualquer
brasileiro pode, ainda, assinar uma petição da Avaaz mostrando aos políticos
quem é que trabalha para quem.
Talvez
assim dê para garantir que, apesar de estarmos ‘quebrados’ e desiludidos,
possamos (pelo menos) continuar reclamando de tudo isto que está aí.
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Abaixo,
os links para os projetos de lei em questão:
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#Política
#Sociedade
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